6 nov
2023

Não escolher também é uma forma de decidir

Por Karina Valadares, planejadora financeira*

Por aqui, a tarde de sexta-feira é momento de mãe e filha. Essa tem sido a minha escolha desde 2020. Em certa ocasião, eu e Duda programamos cafeteria, cinema e livraria. Estávamos animadas. Mas, naquele mesmo dia pela manhã, uma amiga querida me lembrou por mensagem que seria o início de uma série de encontros com empreendedores e o primeiro tema seria “Escuta e Autenticidade”. O meu coração quase parou ao ler: “Você vem para o encontro de hoje, né?” Respirei vagarosamente por umas três vezes e respondi: “Não. Sexta é dia de programa com a Duda e se eu for ao encontro, não terei horário para retornar, o que me impede de ter certeza de que chegarei a tempo no meu compromisso com a minha filha”. 

Confesso que essa resposta reverberou em mim ao longo daquela manhã. Escuta era um dos meus principais temas de estudo na época. O encontro não seria gravado, portanto, era uma oportunidade única. Mas, quando começou a incomodar demais, parei, respirei e relembrei que seria uma escolha assumir um ou outro compromisso. E que sim, eu escolho o meu tempo de qualidade com a Duda. Segui. E tivemos uma tarde de sexta deliciosa.

As nossas escolhas

Fazemos escolhas o tempo todo e ainda temos a impressão, em alguns momentos, de que somos vítimas do acaso. A verdade é que, muitas vezes, vivenciamos esse processo de maneira tão inconsciente que não tomamos para nós a responsabilidade dos resultados de nossas escolhas.

Já parou para pensar quantas decisões tomamos em um único dia? Eu acredito que dezenas ou até centenas: acordar, levantar, tomar banho, se arrumar, preparar o café, como ir para seus compromissos, aceitar ou não um convite para um happy hour… a lista é interminável e variada. Felizmente, existem atalhos mentais que permitem que a gente tome essas decisões com relativa facilidade, sem muita agonia.

A esses atalhos, damos o nome de heurísticas: tomar decisões gastando menos tempo e empreendendo menos esforço. É o que fazemos a todo momento. As heurísticas são úteis em muitas situações, mas também podem levar a vieses inconscientes.

Utilizamos essas regras de bolso para economizar energia, o que é bom. A questão é a nossa forma de decidir. E sabemos, por estudos e pesquisas, que, apesar de sermos seres racionais, nosso processo de tomada de decisão é predominantemente emocional. Ou seja, estamos sempre buscando aumentar o nosso prazer e reduzir o nosso desconforto de maneira mais rápida e menos desgastante.

Em 2017, quando fiz a minha transição de carreira, precisei romper um viés comportamental conhecido como Status Quo. Exercer a minha atividade da forma como eu fazia perdeu o sentido, pois entrava em conflito com um valor de vida importante para mim: a liberdade. Então, precisei mudar tudo – até mesmo “abrir mão” de certa estabilidade – e assumir os riscos e as consequências dessa escolha. Entretanto, fazer essa escolha foi difícil e continua sendo todos os dias. É que costumamos preferir nos manter na situação atual, na zona de conforto, mesmo que a mudança seja claramente para atingir melhores resultados.

Efeito em nós

Muitas vezes, pode até parecer ser mais confortável escolher opções pré-definidas, ainda que muitas outras estejam disponíveis. É como ligar o piloto automático. Sabia que, num mesmo nível de perda, sofremos menos quando a decisão não é nossa? Por exemplo, vamos sofrer mais se perdermos R$100 aplicados em um investimento que teve prejuízo do que se perdermos R$100 por deixarmos de aplicar o dinheiro. Estamos falando de uma mesma perda financeira, mas toleramos menos quando acontece por uma escolha nossa. Movidos por esse sentimento, muitas vezes, nos mantemos inertes e vivendo o que não faz sentido por medo das consequências do “escolher”.

Pode ser que até essa leitura você não soubesse nada sobre heurísticas – nossas regras de bolso ou atalhos mentais – mas, elas estão presentes em nossa vida e eu vou te ajudar a perceber algumas:

Disponibilidade: envolve a tomada de decisões com base no quanto é fácil trazer algo à mente. Por exemplo: no verão, muitas pessoas à sua volta costumam se contaminar pelo mosquito da dengue. Se passados alguns dias, você começa a sentir mal-estar e náuseas, a primeira coisa que virá à sua mente é que está com dengue. Afinal, a informação disponível com maior facilidade é essa. Do mesmo jeito, às vezes, compramos algo apenas porque muitas pessoas próximas têm tomado a mesma decisão.

Representatividade: envolve tomar uma decisão comparando a situação atual ao modelo mental mais representativo. Por exemplo: se você tem um pai muito amoroso e presente na sua vida, é muito provável que busque no seu primeiro namorado o mesmo modelo de homem: amoroso e participativo. Percebe a importância da nossa história e dos contextos em nosso processo de tomada de decisão? Se escuto uma vida inteira que para ter patrimônio é preciso tomar empréstimos, há grandes chances de que eu faça essa escolha.

Afeto: envolve fazer escolhas que são influenciadas pelas emoções que estamos experimentando no momento da tomada de decisão. Por exemplo: quando estamos bem, tendemos a valorizar os pontos positivos de uma decisão. Quando estamos mal, valorizamos mais os possíveis pontos negativos. Tenho certeza de que alguma vez na vida em que você estava em um estado eufórico pode ter tomado uma decisão que depois não fez o menor sentido.

Escolhas e finanças

A vida é sobre escolhas. Não é mesmo? Após provocar um pouco sobre o tema, vou trazê-lo para um recorte que influencia as nossas finanças. Você lembra que decidimos de maneira emocional e utilizamos a nossa racionalidade para justificar as nossas escolhas? “Eu mereço”. Seria quase impossível separar numa caixinha a nossa forma de decidir para que, em finanças, a gente fizesse uso apenas da nossa racionalidade só porque estamos lidando com números.

Precisamos assumir que finanças é sobre escolhas e sobre vida. Então, vamos sim ser acometidos por atalhos, caminhos mais fáceis e conhecidos e nem sempre assertivos. Na maioria das vezes, vamos falhar. Já que a gente deseja equilíbrio financeiro e quer ainda uma vida que faça sentido e tenha realizações, então, o que devemos fazer?

Se tem uma dica que não costuma falhar é: tenha hábitos favoráveis às suas finanças. Deixar no “piloto automático” decisões que te levem para melhores resultados é a maneira mais indicada de agir. Então, procure deixar o seu “piloto automático” ser direcionado por ações positivas.

Se você não tem ainda um sistema de organização das suas finanças que traga clareza sobre as suas decisões e realidade, é hora de implementar:

  • Faça um diagnóstico da realidade. Quanto de dinheiro você produz no mês? Quais despesas fixas você tem? Quanto sobra para as variáveis? Quanto de investimentos é possível incorporar no mês? A conta precisa fechar. Esses números são o seu limite para cada caixinha.
  • Crie um tempo semanal – 15 minutos são suficientes – para você pensar no dinheiro. Nessa hora, você organizará as despesas pagas na semana, inclusive as variáveis, e acompanhará quanto já soma no mês. Olhe para o limite definido e pense se pode continuar ou se é hora de desacelerar.
  • Automatize as suas decisões para o bem. Programe transferências automáticas da sua conta corrente para algum investimento no dia em o dinheiro costuma entrar. Assim, você evitará o processo de escolher se investe ou não.

Para saber mais sobre o processo de decisões, acesse os vídeos que eu fiz sobre o tema. São exemplos que podem ajudar você a identificar esses gatilhos e regras de bolso em sua vida.

Eu consumidor

Eu poupador

Eu investidor

Pare e sinta o que você realmente deseja. Reconheça que se alguma mudança for necessária será preciso empreender algum esforço porque o automático é nos manter no que conhecemos. Então, assuma a sua responsabilidade de fazer escolhas conscientes que te levem aos resultados desejados. E utilize as regras de bolso a seu favor. Tente transformar as ações em hábitos e isso ajudará você a economizar energia e ter mais assertividade.

a autora

Karina Valadares

Mãe, esposa, profissional de finanças e empreendedora. Dedico minha vida à consultorias financeiras pessoais, assessoria de investimentos e organização de rotina.

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